Em continuidade à nossa edição especial de entrevistas de mulheres brasileiras inspiradoras que constroem e desbravam diariamente esse campo de Direito e Tecnologia, apresentamos com muito orgulho e satisfação Vanessa Vilarino Louzada.

Ariquemense com muito orgulho, Vanessa é aquela pessoa que com uma conversa rápida você já vira fã. Quem vê seu carisma e empatia não imagina a trajetória de muito estudo e trabalho que essa guerreira percorreu (e ainda percorre!). Graduada em Direito e Psicologia, mestre em Direitos Difusos pela PUC/SP, tem também formações complementares em gestão e liderança pela FGV/SP, inovação pela USP/SP, inteligência emocional pela Rollins College, ciência de dados, estruturação de projetos e design thinking (viu como essa mulher é porreta?).

Vanessa gentilmente respondeu as nossas perguntas e nos enviou via WhatsApp, em tempos de COVID-19 precisamos nos adaptar e encontrar formas de nos comunicar. Parceira de longa data, expressamos aqui o nosso profundo respeito e admiração por seu trabalho e a certeza de que esse registro inspirará outros profissionais.

1 – Vanessa, por favor, compartilhe a sua trajetória desde a época da faculdade de Direito até a sua escolha de trilhar esse caminho “fora da caixinha” de montar sua própria legaltech voltada a esse novo “campo” de Direito e Tecnologia.

Vanessa: Bom, pra ser sincera acho que a trilha do caminho “fora da caixa” aconteceu antes da faculdade. Sempre fui curiosa e tive interesse pelo novo. Sou de uma geração que teve a sorte de vivenciar as transições. Então experienciei a mudança do analógico para o digital. Seja das fitas e discos para CD, MP3, plataformas online. Seja de telefone fixo onde se tinha que “comprar a linha” para o uso de celulares de todos os tamanhos até smartphones. Seja das locadoras de videocassete para plataformas de streaming. Seja da máquina de datilografar para laptops. Seja da internet discada para wi-fi. Isso sempre me fascinou.

Sempre pesquisei, estudei e me mantive aberta para que esse novo pudesse fazer parte da minha vida de forma a melhorar meu trabalho e minha vida pessoal. Com essas infinitas possibilidades e também com a “veia empreendedora” que certamente herdei dos meus pais, eu entendi que poderia unir esses elementos.

A facilidade com a tecnologia, a vontade de empreender e a minha formação educacional, foram elementos que contribuíram para que a trilha do Direito e Tecnologia fosse fluída. O complemento foi encontrar pessoas incríveis que passaram pelo meu caminho e muita resiliência para fazer acontecer.

A motivação foi entender que precisamos ser agentes de mudança que queremos ver, participar e sentir. Precisamos planejar e executar. Há muita oportunidade no mercado jurídico. Muita ineficiência. Advogando há aproximadamente 15 anos para grandes empresas, entendi que as dores guardam muitas semelhanças, dado que pela quantidade de processos em andamento, milhares de advogados e bacharéis em Direito, universidades oferendo cursos, recursos financeiros envolvidos, o nosso sistema jurídico é altamente complexo, custoso e pouco eficaz.

Entendi também que o advogado precisa ser multidisciplinar e ter sólidas habilidades gerenciais. E dentre elas, lidar com dados, ter visão estratégica e ações práticas com alto valor para o negócio, fazem toda a diferença. Por isso, acreditei que poderia contribuir com a comunidade jurídica, ressignificar o Direito tradicional e através de um time diverso e muito capacitado, nos unirmos com o mesmo propósito em gerar impacto positivo e financeiro ao universo jurídico.

2 – Qual foi a sua maior motivação (ou motivações) para escolher trabalhar nesse mundo de tecnologia aplicada ao Direito, abandonando, portanto, o jeito tradicional de trabalhar em Direito?

Vanessa: O Direito é uma das áreas mais tradicionais e antigas da sociedade. Neste universo, enquanto a maior parte dos advogados ainda são conservadores e continuam direcionando o olhar para a natureza estritamente jurídica, o mundo, segue em constante evolução.

Um dos maiores riscos que qualquer negócio ou profissional pode enfrentar, é a estagnação. Isso porque o mundo está em constante evolução. Muitas empresas, que um dia foram líderes de mercado, como a Kodak ou Blockbuster, deixaram de existir por negligenciar as inovações que estavam ocorrendo ao seu redor. Com a abundância da tecnologia, as pessoas, os caminhos, as necessidades estão tomando outra direção e a advocacia está tendo uma ruptura causada pela inovação.

A maior motivação é essa. É participar de todo esse movimento de mudança de mindset. De fazer a diferença de forma concreta. De possibilitar sermos profissionais melhores. Mais eficientes. Mais maduros e abertos. Mais próximos e humanos. Menos formais. Menos complexos. Menos “impossibilitadores”.

3 – Quais habilidades você acredita que a faculdade de Direito tenham auxiliado na sua trajetória pelo Direito e Tecnologia?

Vanessa: Me formei em Ribeirão Preto em 2002. Então, naquela época, não era foco disciplinar o viés de tecnologia nos cursos de Direito. As aulas sempre foram massivamente expositivas, de uma maneira bem tradicional. De toda forma, numa perspectiva otimista, acredito que a Faculdade contribuiu pelo interesse pelo novo, pela autonomia em ser responsável por trilhar o meu caminho. Com isso, acredito que ela possa ter potencializado a curiosidade por novas possibilidades e provocar um olhar mais crítico e aberto.

4 – E as habilidades que você acredita que tenham faltado na faculdade de Direito, para se preparar para enfrentar esse mundo de Direito e Tecnologia?

Vanessa: Acredito que a metodologia aplicada à minha época era muito tradicional. Direito Civil. Penal. Trabalhista. Processo… Muito direito material. Muita decoreba. Um olhar holístico da profissão e habilidades para o advogado é um ponto chave que deveria ter existido. Mais engajamento, cooperação, estrutura seria também outros pontos que poderiam ter sido melhores.

5 – Quais dicas você daria para estudantes de Direito e recém-formados que tenham a intenção de atuar em Direito e Tecnologia, seja como empreendedores ou como prestadores de serviços ou acadêmicos?

Vanessa: Acredito que a reflexão e o cuidado na escolha se efetivamente queremos trabalhar com “Direito” pelo resto da vida. Não ser uma decisão porque a família quis ou porque o Direito pode abrir portas com concursos.

O mercado hoje não aceita mais profissionais medíocres. Ou seja, que na média, fazem o básico. Os profissionais precisam se superar. E para isso, precisam acreditar no que fazem. Precisam querer fazer melhor e contribuir para o todo. Ter sempre resiliência no dia-a-dia e utilizar a conduta e raciocínio jurídico para melhorar e ampliar as possibilidades. Acredito que isso possa valer para empreender, para a carreira acadêmica, para advogar e para carreira pública.

6 – O mercado tecnológico ainda é um ambiente predominantemente masculino. Na sua trajetória, quais atitudes você acredita que foram fundamentais para você conquistar o seu espaço?  

Vanessa: Ultrapassar pré-conceitos ou não me importar com o que pode ser atividade de homem ou atividade de mulher. Não me sentir inferior porque existe em uma sala somente homens em reunião e somente por isso, certamente ela será mais difícil. Não exercer posturas masculinas de gestão, mas sim, exercer a empatia e o feminino para ganhar espaço, credibilidade e outro tom de voz e conduta no exercício das atividades. Fazer referência, dar atenção e prestigiar outras mulheres, principalmente em grupos. Assim, ganhamos mais voz, força e credibilidade.

7 – Compartilhe:

  1. Sugestão de livro: Poder da Ação, Paulo Freire. Seja Foda, Caio Carneiro.
  2. Sugestão de filme: Coco Chanel. A procura da felicidade. Fome de Poder. Joy: O nome do sucesso.
  3. Sugestão de pessoa: Pra prestigiar nós mulheres da Tecnologia e Direito: Leilani Dian Mendes. Marina Feferbaum. Clarissa Luz. Camila Lopes. E olha que ainda faltam várias.
  4. Sugestão de aplicativo: Evernote. Trello. Canvas. Google Drive.

8 – Tem algum recado para as mulheres que pensam em entrar nessa carreira?

Vanessa: Estamos juntas. Não tenham medo dos desafios. Somos fantásticas, múltiplas e resilientes por natureza. Então é só deixar fluir essa essência natural. Manter o aprendizado, o foco e a potência do feminino.

9 – Existe alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse feito e não fiz?

Vanessa: Não. Apenas parabenizar a iniciativa e agradecer a oportunidade.