Para encerrar com chave de ouro nossa edição especial de comemoração ao mês da Mulher, disponibilizamos entrevistas com mulheres inspiradoras que “arregaçam as mangas” e contribuem imensamente para o campo de Direito e Tecnologia. E finalmente apresentamos Rosine Kadamani.

Inconformista por natureza, Rosine é uma professora nata. Em qualquer tema ou assunto possui o dom de trazer questionamentos e reflexões, convidando a todos(mesmo sem perceberem) ao exercício do senso crítico, característica imprescindível para uma brilhante trajetória profissional. Graduada em Direito pela PUC-SP e pós-graduada em LLM – Mercado Financeiro e de capitais pelo INSPER-SP e Especializada em Direito Bancário. Foi advogada por 13 anos no Pinheiro Neto Advogados e abriu mão de uma carreira sólida na área jurídica para apostar em seu projeto educacional (sendo pioneira no assunto) voltado ao desenvolvimento e formação de um ecossistema inovador em bitcoin, blockchain, criptomoedas e temas correlatos, promovendo desde 2014 a difusão do conhecimento e o debate sobre o assunto.

Em tempos de COVID-19, Rosine gentilmente respondeu as nossas perguntas e nos enviou via WhatsApp. Parceira que a academia gentilmente nos trouxe, expressamos aqui o nosso profundo respeito e admiração por seu trabalho e a certeza de que esse registro inspirará outros profissionais.

1 – Rosine, por favor, compartilhe a sua trajetória desde a época da faculdade de Direito, até a sua escolha de trilhar esse caminho “fora da caixinha” de montar sua própria escola sob a temática de Blockchain nesse novo “campo” de Direito e Tecnologia.

Rosine:  Na minha família, sofremos em diversas situações por má atuação de advogados. Posso dizer que “busca pela Justiça” é o que me motivou a fazer a faculdade de Direito. Eu queria ter mais noção para que pudéssemos estar menos expostos. Aprendi muito, ali e na minha carreira, sobre a operação do sistema jurídico como um todo e isso hoje faz muita diferença na minha formação pessoal e profissional, pelo que sou eternamente grata. Mas, prestar assessoria jurídica nunca me satisfez e nunca foi meu objetivo final.

Acreditei em certo momento que poderia ser mais contributiva utilizando meu conhecimento e experiência pelo caminho da educação, e isso foi se comprovando ao longo do tempo. O que busquei oferecer ao mercado é o que entendi que ele estava precisando e eu poderia entregar: informação, luz, esclarecimentos, e tudo de forma neutra e desprendida de outros interesses comerciais senão a própria venda do conteúdo para sustentabilidade do projeto.

Aprendi muito, os temas são muito complexos, a prática é muito distante da teoria, mas a minha vontade é a mesma desde o começo, e saber que isto ecoa em boa parte dos participantes dos cursos e palestras é o que me energiza até hoje. Esta troca é o que me satisfaz, hoje.

2 – Qual foi a sua maior motivação (ou motivações) para escolher trabalhar nesse mundo de tecnologia aplicada ao Direito, abandonando, portanto, o jeito tradicional de trabalhar em Direito?

Rosine: Estou aprendendo que, com o tempo, convergimos para ser o que somos. Me explico. Na hora em que fazemos alguns movimentos muitas vezes não temos a visão do todo, mas ele vai aparecendo conforme criamos uma história e olhamos pelo retrovisor. Para mim, hoje é evidente que eu precisava ter seguido este caminho de educação, pois está ligado à minha busca pessoal de transformação a partir da informação. A motivação foi, portanto,  diretamente ligada a um processo pessoal de auto-conhecimento.

3 – Quais habilidades você acredita que a faculdade de Direito tenha auxiliado na sua trajetória pelo Direito e Tecnologia?

Rosine: Foi muito importante aprender sobre o funcionamento do sistema jurídico e o seu peso na sociedade. E cair na real sobre como interesses e capacidades externas – condição financeira, política, economia, cultura, relacionamentos, negócios – pesam nestas definições. Ter isso em mente permite escapar de muitas armadilhas em que podem mais facilmente cair aqueles que desconhecem estes pormenores. No mundo da tecnologia, muitos, sem conhecê-los, criam projetos que desafiam tudo isso, o que pode ser ótimo assim como pode ser inócuo. Ter uma visão dos dois lados aporta na busca de uma visão mais equilibrada, e permite atuar como ponte.

4 – E as habilidades que você acredita que tenham faltado na faculdade de Direito, para se preparar para enfrentar esse mundo de Direito e Tecnologia?

Rosine: Entendo que nos falta um bocado de experiência sobre o mundo real. Aprendemos um monte de regra e como elas funcionam, mas não temos, em geral, a experiência de entender a realidade e/ou o negócio em si. Acho que isso faz muita falta.

5 – Quais dicas você daria para estudantes de Direito e recém-formados que tenham a intenção de atuar em Direito e Tecnologia, seja como empreendedores ou como prestadores de serviços ou acadêmicos?

Rosine:  Seja curioso por tudo: direito, economia, de tecnologia, de sociologia, negócios, psicologia, política, ciência. Busque entenda, – um pouco pelo menos, que é o que alcançamos – como tudo isso afeta o Direito e como a sociedade e o indivíduo são afetados pelas regras jurídicas. Macro e micro. As leis são um pedaço de um grande todo.

6 – O mercado tecnológico ainda é um ambiente predominantemente masculino. Na sua trajetória, quais atitudes você acredita que foram fundamentais para você conquistar o seu espaço?  

Rosine: Acho que o mais importante foi, ao longo do tempo, entender que:

as maiores travas que temos para nossa evolução estão na nossa cabeça e são de mentira. O cérebro pode ser um obstáculo ou um grande aliado;

 Somente seremos realizados se alinhados com nossa identidade mais intrínseca, que não vem de conversas com os outros mas apenas de conversas e reflexões sobre nós mesmos.  E que a opinião dos outros, realmente, não importa;

Que tudo isso me levou a entender que não há diferença entre homem e mulher em termos de capacidade, mas apenas sobre como cada um se vê no meio do todo, e que ver-se em meio ao todo é muito individual e independente da nossa realidade biológica.

Quanto mais cedo tomamos consciência de tudo isso, menos importante é o que socialmente aprendemos a respeito.

7 – Compartilhe:

Sugestão de livro:  “Future Crimes”, Marc Goodman – para entendermos o lado negro da tecnologia e idealizarmos menos.

Sugestão de filme: “American Factory”, pelo momento que estamos vivendo. A China será cada vez mais forte e precisamos nos dar conta desde já que sua cultura é muito diferente e que será imposta de muitas formas.

Sugestão de pessoa: “Tabata Amaral”, por trazer mais lucidez e foco às conversas políticas atuais e, com isso, personalizar o pouco que me resta de esperança em mudanças.

Sugestão de aplicativo: “Rappi”, por ser uma semente mais proxima do que conhecemos como “super app”, como o we chat na China.

8 – Tem algum recado para as mulheres que pensam em entrar nessa carreira?

Rosine: Venha. O teu caminho é próprio e se desenhará em cada novo passo que der.

9 – Existe alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse feito e não fiz?

Rosine: Não, acho que são ótimas perguntas. Foram desafiadoras.