A nossa iniciativa em entrevistar mulheres porretas que fazem parte desse campo de Direito e Tecnologia em comemoração ao mês das mulheres, continua a pleno vapor. E hoje contamos com a participação da queridíssima Regina Acutu.
Diretamente de Maringá para o mundo, Regina é uma daquelas pessoas especiais que possuem o dom de aproveitar ao máximo cada experiência e oportunidade (tanto positivas quanto negativas) e converter tudo em aprendizado. Sua formação acadêmica e profissional demonstram a garra dessa profissional polivalente. Graduada em Arquitetura pela Universidade Estadual de Londrina, Mestranda em Administração – Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação pela PROFNIT. Já atuou como arquiteta, product owner, professora, consultora de inovação, design thinking e hoje é CEO da Verifact, desenvolvendo um trabalho fantástico ao lado de Alexandre Munhoz e uma equipe fantástica!
Como Regina mora em Maringá fizemos a entrevista via Google Hangouts antes mesmo da pandemia do COVID-19. Apesar da distância, felizmente temos muitos eventos de Direito e Tecnologia que nos proporcionam momentos de encontro e troca de experiência e descontração. Expressamos aqui o nosso profundo respeito e admiração por seu trabalho e a certeza de que esse registro inspirará outros profissionais.
1 – Regina, por favor, compartilhe a sua trajetória desde a época da tomada de decisão por cursar a faculdade de Arquitetura até a sua escolha por migrar para a Tecnologia?
Regina: Eu estou no mercado há 17 anos já e trabalhei durante 10 anos prestando serviços para a Caixa (trabalhava para uma empresa terceirizada da Caixa Econômica Federal, em uma área de infraestrutura e segurança). Nesse meio tempo, quando eu trabalhava para o banco, recebi um e-mail mal educado do meu chefe, configurado como assédio moral, me pressionando para fazer algumas coisas que não estavam no contrato e tinha outras coisas também que eu não concordava. Nessa época, eu não sabia muito o que fazer, era recém-formada.
Guardei esse material porque achei que esse era uma evidência muito forte, caso fosse necessário. Optei por conversar com meu chefe diretamente e resolver o problema, mas, por precaução, deixei o material salvo, impresso no papel. Trabalhando durante 10 anos era bem difícil ter uma caixa de e-mails com e-mails armazenados desde o início, aí sem querer acabei apagando esse material. Tempos depois, fui conversar com um advogado (eu já estava querendo sair e tinha outras questões em relação ao contrato) e ele disse o seguinte: “Olha, o que o seu chefe escreveu pode gerar um processo, mas esse material que você guardou não serve como meio de prova. Ele deveria ter sido preservado de outra forma.” E isso ficou na minha cabeça.
A minha formação basicamente é de Arquitetura e nos anos da graduação e trabalhando com o banco, eu entendi que era muito importante a experiência do usuário, ou seja, por qual experiência ele está passando, quais são as etapas que são importantes e aí não tinha nem esse nome ainda (“experiência de usuário”), mas esse foi o grande foco do meu trabalho e dos meus estudos. Desde entender como era a relação dos clientes com os funcionários dentro de uma agência bancária e como eu poderia melhorar a experiência deles, até a experiência de outras áreas, incluindo tecnologia.
Depois de algum tempo, decidi que não queria mais trabalhar com o banco e em 2008 me desliguei da empresa e abri meu próprio negócio. Era uma empresa de consultoria e eu atendia clientes SEBRAE (fui credenciada pelo SEBRAE por mais de 10 anos). Nesse meio tempo fui aprendendo e desenvolvendo outras soft skills para atender as demandas das empresas em diversos projetos. Comecei a identificar que tais empresas não precisavam só de uma consultoria, elas precisavam entender todo o poder de negócio delas, como desenhar o negócio, entender o público-alvo etc. Então eu desenvolvia projetos para os clientes como arquiteta, fazendo os espaços comerciais, mas também aliada ao branding, proporcionando o desenvolvimento visual da marca. Contratamos um time multidisciplinar, tinha desenvolvedores, publicitários, arquitetos, designers, programadores, jornalistas e o pessoal de marketing que atendia esse cliente de uma forma global.
Identificamos que era muito comum acontecer o seguinte, o cliente pequeno fazia a marca e a gente perguntava: – Registrou no INPI? E ele respondia: – Não, não precisa! Vários casos aconteceram depois de a gente fazer a marca e entregar e depois o cliente falar: – Poxa, copiaram minha marca em outra cidade ou estão usando minha marca em outro estabelecimento e isso está dando muito problema para a gente. Aí os advogados dos clientes falavam: – Olha, resgatem os e-mails que vocês mandaram há 3-4 anos que a gente precisa usar como prova.
Dava um trabalhão enorme para a equipe, então começamos a investigar e pensamos numa solução que pudesse resolver essa questão (de como preservar materiais que são digitais para que sejam usados como prova posteriormente). Começamos a perguntar para advogados, empresários, peritos sobre essa dificuldade de preservação de provas e uma advogada compartilhou: – Tenho o caso de uma youtuber que é cliente e ela recebe muitas ameaças e tem muitos “haters” que postam no Youtube de madrugada e como nós temos que registrar o material, tem que ser em horário comercial por meio de ata notarial e, por isso, não conseguimos assegurar a prova.
Outra advogada relatou os mesmos desafios, só que no âmbito eleitoral, as pessoas colocam informações na Internet e depois essas informações somem e não conseguem processar os responsáveis pelas Fake News. Para entender melhor a “dor” dos possíveis usuários, conversamos com umas 500/600 pessoas, desde advogados, vítimas, magistrados, promotores de justiça, empresas de cyber segurança, peritos e até Ministros, que positivamente validaram a ideia do produto: – Sim, fazia sentido!
Foi nesse momento que surgiu ideia de oferecer serviços de registro de provas digitais na Internet, mas por ser um serviço muito específico, demoramos mais ou menos 2 anos, fazendo as pesquisas e desenvolvendo esses serviços. Assim, lançamos o produto para testes no meio de 2018 em fase experimental e uns quatro meses depois lançamos o produto no mercado, lançando o produto oficialmente em janeiro de 2019.
Nesse meio tempo, entrei no mestrado na área de Inovação e Tecnologia no programa PROFNIT (Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação promovido pela Fortec). A proposta desse programa é capacitar pessoas para que possam lidar com a tecnologia e com essas inovações que estão surgindo. Como a nossa equipe não estava acostumada a lidar diretamente com tecnologia, fez muito sentido que eu tivesse essa capacitação via mestrado. O meu sócio é mestre em administração, desenvolvedor autodidata e desde os 16 anos ele programa por conta e tinha um time que tinha essa expertise.
Além disso, nos cercamos de escritórios advocatícios parceiros que pudessem nos dar o respaldo legal necessário da área técnica para validar o produto. Concluímos que não bastava ter alguém da área jurídica no nosso time, mas sim ter o apoio de dos melhores escritórios e advogados do país que pudessem aconselhar e orientar constantemente a respeito do produto, compartilhando suas expectativas e estratégias e posso dizer que evoluímos muito desde então.
Hoje temos usuários pagantes em mais de 14 Estados brasileiros, temos precedentes no TJ/PR, TJ/SP e TJ/PE. E temos clientes relevantes como Alexandre Atheniense Advogados, Catho, Ticket, Porto Seguro Seguros, Polícia Civil do Estado do Paraná , além de parcerias com associações de peritos forenses mais relevantes do país – AFD E APECOF.
2 – Qual foi a sua maior motivação (ou motivações) para escolher trabalhar nesse mundo de tecnologia aplicada ao Direito?
Regina: Foi bem difícil optar por fazer parte desse novo mundo. Eu tinha uma carreira consolidada com clientes grandes, mas o que sempre me incomodava era o seguinte: – Poxa, estou fazendo isso, mas queria impactar positivamente um número muito maior de pessoas. E posteriormente, atuando na empresa de consultoria auxiliando outras empresas, me deparei com o seguinte questionamento: – Qual o meu propósito de vida? E percebi que meu propósito era impactar positivamente o maior número de pessoas usando meu conhecimento e habilidades, não apenas as pessoas que pessoalmente eu tinha contato, mas sim aquelas em que a empresa por meio de tecnologia, poderia alcançar, de forma exponencial.
É incrível perceber que a minha satisfação decorre desse propósito, seja trabalhando com Arquitetura, Tecnologia ou qualquer outra coisa, desde que esteja alinhada com esse meu propósito, me dá satisfação e me faz feliz.
E sou muito grata, pois cada aprendizado que tive desde a época de Faculdade, por exemplo, contato com metodologias ágeis e dentre outras matérias, contribuiu para o trabalho que desenvolvo hoje, conjuntamente com meu sócio e minha equipe fantástica, com muita qualidade, na Verifact. Nenhuma experiência foi perdida nessa trajetória.
3 – Quais habilidades você acredita que a faculdade tenha auxiliado na sua trajetória pela Tecnologia?
Regina: Acredito que o que Faculdade mais agregou em minha trajetória foi o senso crítico e como “ir atrás das coisas”. Eu estudei numa Faculdade Pública, em uma Universidade Estadual e me proporcionou várias oportunidades. Eu tinha acesso a uma biblioteca riquíssima, a professores brilhantes, contato com pessoas que me influenciaram muito e são referencia para mim até hoje.
Todavia, tudo que eu não concordava na Faculdade eu tinha a autonomia de mudar, por exemplo, eu e meus amigos identificamos a ausência de determinado conteúdo, deste modo, procurávamos o Centro Acadêmico e compartilhávamos o desejo de realizar um evento para compartilhar esse conhecimento com os demais colegas, procurando e convidando o melhor profissional (seja dentro ou fora da nossa Universidade) para ministrá-lo e trazermos para conversar conosco.
A Faculdade que eu fiz tinha um currículo muito interessante, mas o acesso que tive às atividades extracurriculares foi muito importante para a minha formação pessoal e profissional. O tempo que me dediquei às atividades extracurriculares poderia equivaler ao tempo de uma nova faculdade de Arquitetura, aprendi bastante neste tempo.
É muito interessante saber que aprendemos muito com as pessoas e suas respectivas diferenças. Eu percebi que antes de entrar na Faculdade eu não tinha quase nenhuma referência: gosto musical, eu não entendia muito de outras áreas e não era politizada. Ao entrar na Faculdade tive a oportunidade de ter contato com pessoas que pensavam diferente de mim e aprendi muito com essas pessoas e confesso que um novo mundo se abriu. Por isso, não concordo com que algumas pessoas dizem: – As faculdades são falhas no ensino, falta muita coisa. Falta sim, mas precisa ir atrás também. Eu aprendi muito, principalmente com as pessoas que dividiram ideias e pensamentos diferentes do meu e com toda a disponibilidade de conhecimento que estava a disposição.
4 – E as habilidades que você acredita que tenham faltado na Faculdade para contribuir para sua trajetória?
Regina: Acredito que faltaram disciplinas teóricas e práticas relacionadas ao empreendedorismo. O curso que eu fiz, tem duração de 05 anos. É o único da América Latina que possui esse período. Em outras partes do mundo esse mesmo curso possui um período de 9 anos de formação, tempo necessário que se entende que é preciso para desenvolver senso crítico, pensamento analítico e amadurecimento do aluno necessários para a profissão.
Eu tive que correr atrás desse conhecimento que não tive, 10 anos após a minha graduação. Tive que desenvolver “na marra” essas habilidades de empreendedorismo, como lidar com clientes, como administrar minha empresa, o que é esse negócio de “validação de produto”. Fui descobrindo com cursos aleatórios, livros, conselho de pessoas do mercado e “quebrando a cara”. Pois é, tive que aprender na prática com erros e acertos.
5 – Quais dicas você daria para estudantes e recém-formados que tenham a intenção de atuar em Direito e Tecnologia?
Regina: Pois é, agora qualquer área ou qualquer empresa possui uma intersecção com inovação e tecnologia, não tem mais como negar essa é a realidade. Tenho algumas dicas, no que diz respeito à Faculdade: 1º A forma como você aproveita a Faculdade. Ter uma postura proativa, ou seja, ir atrás do conhecimento que não está meramente declarado no currículo escolar. 2º Conviver com pessoas diferentes de você. É muito importante conviver com pessoas de outros cursos e que pensam diferente de você, isso faz você crescer e aprender muito. 3º Fazer cursos e atividades complementares relacionados ao empreendedorismo e outras áreas. Existem eventos e movimentos que são legais para ter a experiência de empreendedorismo, como por exemplo Startup Weekend, Global Legal Hackers (movimento que participo do capítulo de Maringá/PR) etc. Eu tive a oportunidade de fazer muitos cursos legais, como Empretec uma metodologia desenvolvida pela ONU que no Brasil está vinculada com o Sebrae, curso de Eneagrama etc.
Acho muito importante mencionar que o aprendizado não está apenas relacionado à sua área de atuação, mas procurar conhecer outras áreas e matérias. Aprenda coisas diferentes, vá a museus, faça uma viagem, faça aulas de teatro. Não tenha medo de sair “fora da caixinha”, pois essas experiências certamente agregarão muito para sua experiência pessoal e profissional.
6 – O mercado tecnológico ainda é um ambiente predominantemente masculino. Na sua trajetória, quais atitudes você acredita que foram fundamentais para você conquistar o seu espaço?
Regina: Poxa, eu acabei de perceber que grande parte da minha experiência prática profissional sempre foi realizada em ambientes predominantemente masculinos. Desde a época de Faculdade em que realizava a fiscalização de obras, no meu trabalho prestando serviços ao banco e quando migrei para a área de tecnologia (hoje sou uma das diretoras de entidade de classe de TI) e essa área é predominantemente masculina, mas não me importo.
Gosto muito de uma fala do ex-presidente Obama em que ele não se posiciona como um ex-presidente negro, mas sim um presidente e “ponto”. E acredito que para mim seja a mesma coisa. Talvez o fato de eu ser mulher tornou a minha atuação um pouco mais trabalhosa, em alguns momentos teve um esforço para provar o meu valor. Para tirar o estigma de “menininha” no início da carreira, tive que construir uma imagem coerente com a minha capacidade profissional e ultrapassar essa barreira inicial.
No final não importa sobre qual o gênero, e sim sobre a competência, desempenho e entrega. Temos que “ir para cima” e acreditar em si e no seu trabalho, missão dada é missão cumprida! A confiança e força de vontade devem fazer parte de seu vocabulário. Tive a grata oportunidade de sempre estar cercada de pessoas que foram verdadeiros mentores e sempre me ensinaram e ajudaram muito nesta parte.
7 – Tem algum recado para as mulheres que pensam em entrar nessa carreira?
Regina: Pela minha experiência (ao ter migrado de arquitetura para a área de tecnologia) acredito que é possível, o conhecimento está a nossa disposição como nunca. Esses dias conversei com uma advogada que estava compartilhando que queria sair da prática tradicional jurídica e ser Encarregada de Produção de Dados (ou DPO) e dei a maior força falando que ela estava no caminho certo.
Nesse sentido, acho muito importante não se desculpar pela sua formação inicial. Por exemplo, eu poderia simplesmente omitir do meu LinkedIn que sou formada em Arquitetura e falar apenas do meu trabalho com tecnologia. Não acredito que devo omitir parte da minha formação que contribuiu muito para a minha atuação hoje e não vejo como um ponto negativo.
Hoje, temos a vantagem de acessar facilmente conhecimento técnico e informação. Por isso, vai lá pesquisa, estuda e aprende! Apesar de não ser advogada meu trabalho exige conhecimento sobre o Código de Processo Civil, técnicas de prova digital, sobre a ISO 27037 relacionada à coleta de evidências em ambientes digitais e tudo isso é conhecimento disponível. Cerque-se de pessoas melhores que você: é importante mencionar que sempre me cerco de profissionais capacitados e qualificados que certamente me auxiliarão em caso de dúvidas ou questões mais complexas da área. Compartilhar conhecimento também ajuda muito.