Dando seguimento a nossa coluna de entrevistas com personalidades de Direito e Tecnologia, a nossa convidada de hoje é Tais Carmona, sócia-diretora do escritório LBCA e head da área trabalhista.

Tais é formada em Direito pela PUC, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade São Francisco (USF), formada em Administração de Contencioso pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Compliance pelo Insper. Com espírito inovador e empreendedor por natureza, Tais se destaca quando a matéria é Direito do Trabalho e Inovação, além de sempre se posicionar sobre pautas sociais importantes e buscar, por meio de seu trabalho, condições igualitárias para todos.

1 – Tais, por favor, compartilhe a sua trajetória desde a época da tomada de decisão por cursar a faculdade de Direito até a sua escolha.

Sou formada em direito há 25 anos. Fiz a opção pelo Direito do Trabalho após fazer estágio no Ministério Público do Trabalho. Depois de iniciar em um escritório pequeno, passei para escritórios maiores, estive por um longo período em um escritório onde tive um grande crescimento – junto com o próprio escritório – e pude evoluir como gestora e me consolidar no mercado. Também passei um pela banca de um grande jurista da área trabalhista, algo que tem um valor imensurável. Hoje sou sócia da LBCA – uma banca altamente inovadora e com atuação em direito empresarial – como head da área trabalhista.

Todas essas experiências foram valiosas na minha trajetória. Mesmo o trabalho no escritório pequeno, lá no início, com clientes que em geral descumpriam normas trabalhistas, me ensinou que meu papel como advogada passava por buscar soluções seguras, mas viáveis. Algo que você só consegue se realmente quiser fazer diferente.

O importante é conseguirmos enxergar que cada experiência trará um ganho, uma evolução como profissional. Ao longo de todos esses anos aprendi que atuar com propósito e comprometimento é a essência de um bom trabalho, mas também que precisamos cuidar da carreira, valorizar as conexões que fazemos em nossa trajetória e não ter medo de encarar desafios.

Sobre a escolha do direito, foi uma decisão tomada com consciência, mas não com absoluta perspectiva do que viria pela frente. Ao longo da faculdade construí um caminho de realização profissional muito grade.

Acho importante dizer que fazemos essa escolha bem jovens e, ainda hoje, muitos ainda acreditam que é uma decisão que nos definirá. Precisamos repensar esta visão e entender que podemos escolher uma faculdade que nos colocará em uma carreira para vida toda ou não, tanto faz. Podemos e devemos nos reinventar. Tenho uma enorme admiração pelas gerações mais novas, que se reinventam, reivindicam posicionamentos e abrem novos caminhos para todos nós. A habilidade de desaprender e reaprender algo novo é uma das principais características profissionais de um futuro que já chegou.

2 – Qual foi a sua maior motivação (ou motivações) para aplicar Tecnologia ao Direito em seu escritório, abandonando, portanto, o jeito tradicional de trabalhar com Direito?

A LBCA sempre olhou para a tecnologia, faz parte da nossa cultura e o escritório sempre foi protagonista. Criamos nosso próprio sistema de acompanhamento processual com workflow e gestão das carteiras de ações, quando o mercado ainda estava aprendendo a utilizar os sistemas disponíveis no mercado. Temos nossa inteligência artificial, a Diana, com diversos produtos em funcionamento e em constante aprendizado para novos projetos.

Junto a isto, olhando para minha área de atuação, sempre enxerguei que era preciso ter ferramentas para agilizar e melhorar nossa atuação. Na área trabalhista temos alto volume de ações, casos com matérias que se repetem e, ao mesmo tempo, demandam atenção para particularidades, um grande volume de audiências envolvendo muitas pessoas (autor, preposto e vários testemunhas), uma apuração de valores complexa, além de uma fase de conhecimento bastante rápida. Como se não bastasse, tivemos grandes mudanças na legislação nos últimos três anos.

Combinando todos esses fatores, a gestão do contencioso trabalhista precisa ser ágil e consistente.

Mais do que isso, precisamos nos reinventar como advogados. Precisamos nos comunicar com o judiciário de forma mais eficiente, abandonar as peças longas e apresentar um conteúdo que seja sucinto, relevante e completo, inclusive com recursos visuais.

3 – Quais habilidades você acredita que a faculdade de Direito tenha auxiliado para despertar o seu interesse em aplicar Tecnologia ao Direito?

O uso da lógica, sem dúvida. Costumo dizer que o pensamento lógico é a matemática – ou porque não dizer, a programação de códigos – do Direito. Onde eu posso ter raciocínio lógico, posso ter a tecnologia me ajudando de forma exponencial. A partir desse recurso, posso me libertar para fazer algo onde somos realmente insubstituíveis: criar e inovar.

4 – E as habilidades que você acredita que tenham faltado na faculdade de Direito?

A faculdade de direito da época que estudei com certeza não existe mais. Fez falta a faculdade desenvolver habilidades básicas de administração, gestão, skills comerciais e, de forma mais abrangente, trazer para os alunos mais perspectiva e visão sobre a carreira e as conexões do direito com outras áreas.

Espero que isso não seja mais uma deficiência e, que além disso, as faculdades atuais também olhem para desenvolvimento pessoal, inovação e tecnologia no direito.

5 – Quais dicas você daria para estudantes de Direito e recém-formados que tenham a intenção de atuar com Tecnologia aplicada ao Direito, seja como empreendedores ou como advogados?

Para os que tem intenção de atuar com tecnologia, eu diria que já estão um passo à frente. Para os demais, eu diria para que independente do que a faculdade oferecer, olhem para a tecnologia como parte indissociável da nossa vida e do direito.

Para ambos, diria para olharem além do Direito e se abrirem também para outras frentes. Olhem para política, economia, saúde, diversidade, desenvolvimento pessoal. Há muitas coisas acontecendo ao nosso redor nesse momento e vale aproveitar todas as oportunidades de aprender. Tudo isso nos fará ser melhores operadores do direito.

6 – Apesar da carreira jurídica contar majoritariamente com a presença feminina, os cargos mais altos da hierarquia (sócios, gestores etc.) ainda são ocupados predominantemente por homens. Na sua trajetória, quais atitudes você acredita que foram fundamentais para você conquistar o seu espaço?  

Muito trabalho e acreditar que eu poderia, sim, crescer. É inegável que a mulher enfrenta mais obstáculos na carreira, às vezes de forma explícita com estigmas por ser mulher, às vezes de forma velada, fruto de vieses inconscientes do preconceito de gênero.

Como filha de imigrante, fui criada com foco em estudo e trabalho e, talvez por isso, iniciei minha carreira acreditando que estar bem preparada e buscar desafios eram os ingredientes que precisava. Me deparei muitas vezes com o preconceito de gênero de forma mais explícita e seguia em frente, já aquele velado, demorei muito tempo para perceber que existia e aprender a identificá-lo.  Como mulheres, muitas vezes, passamos por situações na carreira em que nos perguntamos se estamos sendo preteridas por uma questão de gênero ou se nós é que realmente não estávamos preparadas.

Então precisamos, como mulheres, estar sim preparadas para o crescimento, entender quais são as habilidades necessárias no caminho que queremos seguir e investir nelas. Precisamos encontrar o equilíbrio entre não achar que é sempre o machismo que está travando nossa carreira e ter consciência que o preconceito de gênero existe e aprender a administrá-lo e, principalmente, a combatê-lo apoiando-nos umas às outras.

Quando você olha para outras mulheres com sororidade, buscando não julgá-las, e apoiando-as a acreditarem em si mesmas, você fortalece o caminho de crescimento dessas mulheres e também o seu.

7 – Compartilhe, se quiser:

  1. Sugestão de livro: Rápido e Devagar, do Daniel Kahneman. Neste momento, sugiro também a leitura de O Amanhã Não Está a Venda, do Ailton Krenak.
  2. Sugestão de filme: Estrelas Além do Tempo, sobre mulheres negras que mandavam muito bem em tecnologia e afetaram o mundo em que vivemos hoje.
  3. Sugestão de pessoa: Luiza Helena Trajano, uma líder única no nosso tempo, a frente de um negócio de sucesso, baseado, entre outros valores, na visão humana.
  4. Sugestão de aplicativo: Twitter, claro!

8 – Qual mensagem você passaria para operadores do Direito que têm a intenção de aplicar Tecnologia no dia a dia da advocacia?

Comece já, você já está atrasado.

9 – Você acha que a área trabalhista se mostra como um campo fértil para aplicação de tecnologia? De que forma?

Claro! Já pensou estar em audiência trabalhista e poder acessar pelo celular, instantaneamente, o histórico de depoimentos de reclamantes e testemunhas em ações contra uma mesma empresa como forma de evitar depoimentos inverídicos? A pandemia de coronavírus nos trouxe as audiências telepresenciais e um dos pontos de maior preocupação dos advogados é quanto à segurança do depoimento das testemunhas. Já fazemos isto.

Este é um de muitos exemplos. Há uma infinidade de oportunidades para a tecnologia no direito.

10 – Existe alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse feito e não fiz?

Não, apenas gostaria de agradecer pelo convite e dizer que tenho grande admiração pelas mulheres desbravadoras da tecnologia no direito.

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