É com muito orgulho que criamos esse espaço de entrevistas e iniciamos as atividades com uma pessoa muito especial. Botafoguense apaixonado, remador contumaz, advogado nada convencional, empreendedor nato e amigo dos animais, apresento o queridíssimo Caetano Altafin Cunha.

A ideia desse espaço é dividir as experiências de profissionais que tenham uma atuação em Direito e Tecnologia e possam compartilhar suas trajetórias, mostrando seus desafios e conquistas.

1 – Você tem a trajetória digna de um filme Hollywoodiano, compartilhe um pouco da sua história desde a época da faculdade de Direito até a criação da GoApp.

Caetano: A minha história com o Direito foi um pouco diferente, a minha escolha pelo Direito foi instrumental. Mas acho importante compartilhar um pouquinho da minha trajetória anterior ao Direito explicando o que me levou a optar por essa faculdade. Eu sempre tive uma boa relação com o esporte, sempre gostei de futebol e tive a oportunidade de morar na Irlanda com 18 anos de idade para desenvolver uma startup, mas não de tecnologia, era um acampamento de verão para crianças. Aos 19 anos eu estava gerenciando uma equipe de 1.500 pessoas (o maior acampamento de verão do mundo com 32.000 crianças).

Naquele momento escolhi duas faculdades, a faculdade de administração de empresas e relações internacionais. No primeiro ano da faculdade de administração de empresas, muito pela experiência prática que eu tinha, percebi que as lacunas que eu enfrentaria (eu estava em um processo de criar uma ONG – Um Pé de Biblioteca – para o terceiro setor naquela época) eram quase todas jurídicas. Meus maiores problemas práticos envolviam questões de constituição do estatuto social, estrutura de governança e optei por trocar a faculdade de administração por uma faculdade que me daria as ferramentas para me tornar um gestor melhor, dominando algo que no Brasil é super importante, esse aparato burocrático, saber estruturar negócios e assim eu optei pela faculdade de Direito.

Em paralelo a faculdade de Direito, me apaixonei pelo tal do “Mercado” e fui trabalhar com operações internacionais, depois trabalhei na CVM no colegiado com o Marcelo Trindade, fiz intercâmbio em San Diego na Universidade da Califórnia e pelas minhas notas e resultados fui aprovado para fazer LLM na Universidade de Harvard. Depois do meu LLM eu queria entender melhor como era a estrutura de operações e fui para um escritório que trabalhava com M&A e Capital Markets que era o Simpson Tacher & Bartlett em Nova York.

Depois de 3 anos trabalhando nisso e trabalhando muito com negócios de varejo, negócios de ponta e fazendo muita operação, acabei tendo a inspiração para fazer o meu negócio de varejo, que é a MIND. Acabei saindo do Simpson Tacher & Bartlett para fazer duas coisas: (i) criar a MIND e para isso tive que ir para a Ásia para fazer a prospecção e a operação logística do negócio; e (ii) remar no oceano (sou remador, sempre amei remar e seria uma ótima oportunidade para ajudar na pesquisa do câncer) e me tornei o primeiro brasileiro a remar o Atlântico Norte (antes de mim só o Amir Klink em 1984 que tinha remado o Atlântico Sul).

Depois desse período de remada e estruturação do negócio, eu acabei vendendo a parte majoritária do negócio na MIND para o grupo Imaginarium e voltei para a advocacia, pois encontrei uma pessoa maravilhosa que é sócia do Hogan Lovells, um escritório de Washington e queria muito trabalhar com essa pessoa, atuando com Project Finance juntos.

Aí o GoApp surgiu com a ideia inicial e muito incipiente de “conectar animais e humanos” e a nossa motivação inicial era de ajudar na adoção de animais, que notávamos que era um problema crítico que só no Brasil tinham 30 milhões de animais abandonados. As plataformas que existem hoje no Brasil são muito ruins e as ONGs possuem muita dificuldade de fazer essa conexão entre humanos e animais. E mais do que isso, notamos que os animais que tinham casa de certa forma eram abandonados, pois é muito difícil administrar a vida de um bicho. É igual um filho, você tem que comprar comida, muitas vezes precisa de um dog walker, os humanos estão sempre muito ocupados e não tem tempo para passear. E as pessoas hoje se conectam por afinidade e o bicho é uma afinidade que quem tem e gosta, sabe. Daí surgiu a ideia de fazer o GoApp.

Em suma, o Direito e essas experiências de escritórios de advocacia e faculdades serviram para que eu desse ferramentas e instrumentos aos meus sonhos de realização empreendedora. Eu sempre tive as ideias de empreendimento e o Direito sempre foi o instrumental para isso.

2 – Qual foi a sua maior motivação para abandonar o jeito tradicional de trabalhar em Direito e embarcar nesse mundo do empreendedorismo?

Caetano: Novamente, para mim o Direito sempre foi uma ferramenta para realizar sonhos e um propósito maior. E eu admiro muito os meus amigos que veem o Direito como um fim em si mesmo, sendo o objetivo de prestar serviços jurídicos, ser o melhor advogado de arbitragem, negociações e private equity (acho isso incrível, admiro muito quem tem esse ímpeto!).

Mas, para mim o Direito é “quero aprender nos melhores lugares e com as melhores pessoas para que eu possa então pegar esse conhecimento e colocar nos meus negócios e empreendimentos”, sejam eles negócios sociais ou empresariais. O conhecimento de Direito me ajuda a estruturar meus negócios, no final das contas é um advogado que tem um ponto de vista mais prático para ajudar. E tem um detalhe mais interessante, como isso me ajudava na advocacia, como eu era um empreendedor, quando tratava com clientes eu sentia que os clientes achavam que eu os entendia, entendia da perspectiva do negócio e não apenas jurídica. Olha aí, o Direito aparecendo novamente em minha vida como ferramenta.

3 – Como surgiu a ideia de criar a GoApp? Por que criar um aplicativo? 

Caetano: Literalmente a ideia surgiu no boteco Belmonte no Leblon. Eu estava com a co-fundadora que inicialmente era minha melhor amiga e posteriormente minha namorada Marcela Grèzes, e ela falou que tinha visto um aplicativo, tipo um “Tinder” (sim ou não para fotos de animais) para animais abandonados e conversamos como ela prepararia seu aplication para o LLM. Compartilhei com ela o que acreditava ser importante e sugeri que ela empreendesse em algo que amasse. Sua resposta foi rápida e certeira “eu amo bicho” e eu disse que a ajudaria a criar um aplicativo para fazer isso.

Ao identificar e trabalhar com o conceito de adoção animal, começamos a entender que o problema era muito maior, descobrimos que os animais passavam em média 11 horas por dia sozinhos e os donos, em geral, não conseguem administrar bem a vida dos seus animais. Os bichos possuem uma série de necessidades que para você resolver tem que ir no site comprar um produto, ir em outro aplicativo e contratar um dog walker e quando vou viajar preciso acessar outro aplicativo etc. Assim, imaginamos em criar um lugar (i) “one stop shop” para solucionar os problemas dos proprietários de animais no mundo; e (ii) em que pessoas que amam pets possam se conectar de graça. Trata-se da primeira plataforma do mundo em que as pessoas por geolocalização podem se conectar com qualquer outro animal no mundo, que é o GoApp.

Apresentamos primeiro no Web Summit em Portugal, além disso aplicamos para um programa de aceleração na Áustria que dentre 1.038 startups fomos os primeiros selecionados entre os primeiros 15 colocados para apresentar em um evento de disputas de startups, sendo selecionados como os primeiros 6 que serão acelerados no final de janeiro de 2019 em Graz no sul da Áustria. O GoApp vai integrar a ferramenta com produtos e serviços (hoje é uma ferramenta de conexão) e vamos lançar na Europa em 47 mercados testes e depois nos EUA e depois vir para o Brasil. A ideia é levar a GoApp para o mundo!

E onde é que entra o Direito? Na verdade, onde não entra o Direito! Antes dessa entrevista eu estava preparando o contrato social, analisando o acordo de aceleração, discutindo a estrutura de governança com os demais sócios. O Direito é útil pra caramba, nos ajuda muito, dá ferramentas para os sonhos. No mundo de startups sabemos disso muito bem, a diferença entre uma ideia e a realidade. O Direito nos dá a capacidade de executar e executar bem, então é empolgante, não é só coisa chata.

Só para dar um exemplo de discussão de boa governança que eu tinha em Harvard e que hoje é muito relevante para a nossa estrutura como startup. Em Graz, das 15 empresas selecionadas para participar da etapa final a Marcela era a única fundadora mulher. Achamos curioso e estudamos as estruturas de fundadores e identificamos que mais de 90% eram homens. E relembrando as aulas de Governança e discussões com duas pessoas queridíssimas que amo muito e sou fã, Angela Donnagio e Alexandre Di Micelli envolvidos com o Direito e Governança, sobre a presença feminina como fator de diversidade e como elemento de geração de valor econômico para os negócios.

E aqui na GoApp com esse conhecimento e experiência que a formação em Direito e discussões sobre Governança nos proporcionou, somos um time diversificado de fundadores, sendo dois homens e duas mulheres. Temos essa preocupação de manter a diversidade no time, pois entendemos que isso gera valor para o nosso negócio. São pontos de geração de valor econômico para o empreendimento que vem do Direito. Então, é possível ser um excelente advogado e querer empreender.

4 – Quais habilidades você acredita que a faculdade de Direito tenha auxiliado na sua trajetória como empreendedor?

Caetano: Do que tem ajudado, eu acho que a Faculdade combinada com o estágio profissional ajuda muito a gente dar um ponto de vista prático e resolver problemas que as organizações, sobretudo no Brasil, vivem. Uma vez que entendemos melhor a estrutura jurídica de Governança, você se torna um empreendedor mais efetivo, pois você entende os problemas. É o que denominados no LLM e principalmente nos EUA de “issue spoting”, a gente aprende a identificar ou antecipar os principais problemas. Nesse sentido, você pode montar estruturas mais eficientes, gastando tempo com coisas que realmente importam, que é cuidar da operação do negócio. Então esse conhecimento prático é valioso!

5 – E as habilidades que você acredita que tenham faltado na faculdade de Direito?

Caetano: O que não é desenvolvido, tenho dois apontamentos: O espírito empreendedor. A faculdade não te ensina e não fala o que é a verdade, que mesmo na advocacia você vai ter que ser empreendedor. O tempo todo você está empreendendo, por exemplo: Como você vai pivotar o seu negócio? Como você vai diferenciar o seu escritório? Qual o seu diferencial competitivo? Como pretende reter talentos? Como introduzir incentivos para manter seus advogados motivados? Então de uma forma ou de outra você vai migrar para a posição de gestor ou vai ter que pelo menos ter a percepção do ponto de vista do negócio de como ser um advogado/sócio mais efetivo e isso eu acho que a faculdade não te prepara.

Outro apontamento é como ajudar os clientes de uma forma mais efetiva, compreendendo os reais problemas deles, ou seja, ter sensibilidade com os negócios. Hoje percebemos uma mudança na qualidade dos serviços jurídicos, eles estão melhorando por uma necessidade dos clientes, pois é necessário entender da indústria de seu cliente e isso a faculdade não te ensina. É simples, você não pode tratar de um cliente de Oil & Gas como se trata uma startup. Quais são as idiossincrasias? Quais os detalhes de acordo com o momento da organização? A faculdade de Direito é muito formalista e ela não permite que a gente possa ser tão ágil quanto na nossa profissão.

6 – Quais dicas você daria para estudantes de Direito e recém-formados que tenham a intenção de atuar em Direito e Tecnologia?

Caetano: Operadores do Direito e alunos de faculdade sempre me perguntam isso e gosto de falar, “sejam honestos com as suas deficiências e se juntem a pessoas que sejam complementares a você”. Provavelmente você não vai conseguir fazer algo especial sozinho, mas existem pessoas brilhantes aí fora que são capazes de complementar aquilo que você faz de especial. Assim, você é capaz de realizar alguma coisa grandiosa! Por exemplo, o GoApp jamais poderia ser fruto da iniciativa só da Marcela ou só minha, ou só do Lino, que é o nosso CTO, ou só da Bebel que é nossa expert em design, foi um conjunto do time que nos possibilitou a realização desse trabalho. Em suma, a primeira coisa é reconhecer fortalezas e fraquezas para saber endereçar os problemas da melhor forma. Novamente, você não vai conseguir dominar tudo e está tudo bem.

7 –  Compartilhe:

Sugestão de livro:

Caetano: Para mim foi muito importante e não tem nada a ver com negócios, a “A arte da felicidade” do Dalai Lama, pois acho fundamental que o empreendedor faça tudo com propósito.

Eu vou falar agora da minha travessia do Atlântico, exatamente o que aconteceu no percurso. Para algumas pessoas o propósito era bater um recorde da travessia mais rápida da história, para mim, o propósito era realizar um sonho de criança, desde os 10 anos de idade quando li o livro do Amir Klink eu queria remar o oceano e ajudar na pesquisa do câncer.

No meio da travessia, pegamos muito mal tempo e quando a gente viu que não ia conseguir bater o recorde, e as pessoas que tinham aquele propósito desanimaram, porque o propósito já tinha ido. Mas o meu propósito estava vivo e íntegro, que era remar no oceano e ajudar a pesquisa do câncer. Então quando eu cheguei o meu objetivo estava cumprido.

Então, por exemplo, se o seu objetivo empreendendo é ficar rico, minha sugestão é “nunca empreenda”, a maior parte dos empreendedores não ficam ricos. Descubra qual é a sua missão, o que você realmente deseja solucionar. Aí a gente entra nas perguntas, o que, com quem, quando e como. Ao responder essas perguntas, você terá um propósito relevante no momento oportuno, na indústria adequada e tem mais chance de ter sucesso. Por isso, gosto muito desse livro.

Sugestão de filme:

Caetano: De filme eu só vejo bobagem, gasto meu tempo para me divertir e dar gargalhadas sozinho. Deste modo, minha dica de Natal é o Elfo (com o brilhante Will Farrel), o último filme que assisti.

Sugestão de pessoa:

Caetano: Amir Klink, com certeza! É uma pessoa que pela solidão aprendeu o valor da convivência. Os livros dele são maravilhosos, são leituras inspiradoras, é um cara muito desapegado das bobagens e muito apegado com as coisas que importam, que novamente rementem aos grandes propósitos da vida. Curtir a trajetória, não repetir percursos, construir o seu caminho e a sua história.

No geral as pessoas estão muito ansiosas para resolver a vida e na verdade o que importa é a trajetória, você ter uma trajetória feliz. Eu não estou preocupado se o GoApp vai me dar uma fortuna ou vou ficar milionário, estou preocupado em realmente ajudar os donos de animais a encontrarem ferramentas úteis para cuidarem melhor dos seus bichos e aos animais que ainda não possuem casa que encontrem.

Sugestão de aplicativo:

Caetano: É óbvio que vou falar do GoApp, rs. Quem não tem bicho vai encontrar lá… Tem mais de 1.000 animaizinhos buscando uma casa, tem bichos de todos os tamanhos, todo tipo e em todos os lugares do Brasil (inclusive já estamos em 3 continentes!).

É um aplicativo maravilhoso para quem está procurando alguém para conectar ou se sentindo sozinho, quer fazer uma amizade, quer conhecer alguém e etc. Por meio dos bichos você pode conhecer muita gente bacana e se você já tem bicho, tem um monte de ferramentas úteis para que de forma divertida você possa cuidar melhor dos seus amiguinhos. Então vai lá conhecer o GoApp.pet, que já está disponível na Apple Store e Google Play.

8 – Tem alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse feito e eu não fiz?

Caetano: Eu acho que existe um ponto importante que vale a pena falarmos mais um pouco. E a ansiedade da galera do Direito que está em um escritório ou se preparando para um concurso vivenciando “o mundo antigo” e vendo o mundo novo acontecer?

O que posso dizer para essa pessoa é: “Entenda e enxergue o Direito como eu sempre enxerguei, como uma ferramenta.” É uma ferramenta muito útil para você promover impacto social, seja empreendendo ou ajudando seu cliente a empreender e ver onde você se encaixa nesse xadrez. Caso contrário, pode ser uma carreira muito chata, mas pode ser uma carreira muito interessante de muitas maneiras, o Direito é um leque de opções. Entenda que cada vez que você está estudando você estará aprendendo algo que será relevante para o seu negócio ou o negócio do seu cliente e você consegue implementar melhor no seu negócio.


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